Grupo de 130 mulheres que viviam no sul do país e em Beirute foi deslocado pelo conflito, sem planos de voltar para casa
A brasileira Claudia Martins Melhem, 41, estava levando uma de suas filhas ao médico em Tiro, cidade do sul do Líbano, quando uma bomba caiu em um prédio a duas quadras de distância. Ela e o marido correram para buscar as duas outras filhas em casa e fugir.
Desde que os ataques terroristas do Hamas contra Israel desencadearam a guerra em Gaza, Claudia passou a deixar sempre malas prontas com trocas de roupa para a família, uma sacola de primeiros socorros, água e passaportes à mão. A massoterapeuta paranaense, que vive no Líbano há 16 anos, colocou as três filhas no carro (de 5, 12 e 16 anos) e partiu com seu marido, Hussein, 44, que é libanês e tem uma padaria.
Duas horas depois, quando estavam na estrada, presos em um congestionamento de libaneses fugindo em pânico, ficaram sabendo que sua casa havia sido totalmente destruída por um míssil israelense. As duas gatas da família -Katy e Debby- tinham ficado no veterinário. “Acho que não estão mais vivas, porque o prédio onde ficava o veterinário também caiu”, conta Cláudia.
A família agora está abrigada em Tripoli, no norte do país, na casa de um desconhecido que se ofereceu para ajudar. Antes, passaram três dias dormindo no chão de uma escola.
Cláudia está entre os cerca de 21 mil brasileiros que vivem no Líbano atualmente. Ela e as filhas preencheram os formulários do Itamaraty para entrar na fila da repatriação. Aguardam vaga em um dos voos de repatriação que devem chegar em breve a Beirute. A filha mais nova de Claudia está com ataques de pânico; começa a tremer quando ouve um barulho ou alguém fala alto.
“Eles disseram que só estavam bombardeando o Hezbollah, mas estão atacando tudo e todos, jogaram bombas ao lado do comboio de civis que estava saindo da cidade”, diz.
Romilda Carvalho Salman, 57, está morando com 15 pessoas em uma casa de um quarto e um banheiro desde a última segunda-feira (23), em Beirute. Ela diz se considerar sortuda por ter sido acolhida por familiares. Muitas pessoas estão morando nas ruas.
Com o marido e os dois filhos, Romilda vivia no subúrbio de Dahieh, ao sul de Beirute, reduto do Hezbollah. A casa deles ficava próxima de onde foi morto o líder do grupo, Hassan Nasrallah, em um ataque aéreo das forças israelenses na sexta-feira (27). Outras 33 pessoas morreram e 195 ficaram feridas.
Em Dahieh, como em muitas partes do Líbano, o Hezbollah preenche funções do Estado libanês -o grupo xiita é também um partido político com grande representação na política local. Romilda discorda da classificação de terrorista dada à facção. Como outros brasileiro-libaneses ouvidos pela reportagem, ressalta o papel da milícia na defesa do país e na assistência social.
“Eu já penhorei ouro no banco do Hezbollah, eles não cobram juros. Lá em Dahieh, eles têm um supermercado que tem preços mais baixos, um hospital que tem atendimento melhor e mais barato que os outros”, diz, enquanto se ouvem explosões em Beirute. O bairro agora está deserto e continua a ser atacado.
Romilda vive no Líbano há 25 anos e tem dois filhos adultos. A crise econômica, que já tinha atingido o país duramente, piorou muito desde o início da guerra em Gaza. Seu filho era barman em um restaurante na cidade, que está fechado por causa do conflito. O marido perdeu o emprego que tinha há décadas e agora trabalha no escritório de documentação de trânsito na cidade. “Mas ele ganha só US$ 200 por mês. Só de gerador [a eletricidade não funciona direito no Líbano] nós gastamos US$ 100 por mês.”
Leni Dias de Souza, 47, também fugiu do sul do Líbano na segunda-feira passada. “Ficava ouvindo os bombardeios e só pensava: a próxima bomba é na minha cabeça”, diz a podóloga do Paraná, que morava na cidade de Maarakeh. Ela, o marido e as três filhas dirigiram por nove horas, sem saber exatamente aonde estavam indo. Pararam em uma cidade nas montanhas. “Abandonamos tudo o que construímos aqui no Líbano ao longo de 11 anos”, diz.
As cidades na região já estão vazias. Com a invasão terrestre que Israel iniciou nesta segunda, fica ainda mais remota a possibilidade de conseguirem voltar para casa.
O artista plástico Maurício Yazbek, 56, que mora nas montanhas na proximidade de Beirute, está montando uma cozinha humanitária e organizando doações para ajudar as brasileiras deslocadas pelo conflito. Ele vive em uma comunidade de artistas, onde também se refugiou sua amiga Naima, professora de dança do ventre que vive no Líbano há 15 anos.
“Todo mundo em Beirute está com medo. Não importa o bairro, estão bombardeando vários lugares”, diz Naima, que sobreviveu à explosão no porto de Beirute em 2020, que deixou 220 mortos e 6.500 feridos. Mesmo assim, Naima não quer deixar o país. “Precisamos acabar com essa visão ignorante de que no Líbano são todos terroristas. O povo do Líbano não quer viver em guerra.”